sábado, 9 de janeiro de 2010

Crise Alimentar

A fome aliada à pobreza é um dos maiores flagelos da humanidade. Se há alguns séculos atrás este fenómeno era justificado pela elevada dependência face aos fenómenos meteorológicos ou pelo subdesenvolvimento geral das populações hoje em dia a realidade do século XXI é bem diferente.

Temos tecnologia e conhecimento para produzir de forma controlada uma grande variedade e quantidade de alimentos. Temos maneira de transportar de forma rápida e eficiente os produtos que produzimos para os locais onde vão ser consumidos. Conseguimos "contornar" a dependência face à Natureza e optimizar recursos levando a que seja possível produzir alimentos em locais que anteriormente não reuniam condições para tal. Muitos Estados já atingiram um elevado grau de desenvolvimento económico e social e temos o know-how para expandir esse bem-estar social. Porque razão existem nações inteiras a passar fome quando outras deitam toneladas por dia para o lixo? Porque razão existem pessoas a passar a fome em países desenvolvidos quando aquilo que os seus vizinhos desperdiçam era o suficiente para as alimentar?

Infelizmente apesar de dispormos de tecnologia e conhecimento não parecemos dispor da vontade de partilhar e de lutar para que ninguém passe fome. Não precisamos de ir para longe. Em Portugal existem cada vez mais pessoas que não têm dinheiro para comprar alimentos, algo comprovado pela velocidade crescente com que se esgotam os stocks do Banco Alimentar e de outras organizações que se dedicam a esta causa. O mesmo se passa sensivelmente por toda a UE. E é nesta mesma UE que todos os anos milhares de toneladas dos mais variados produtos são deitados para o lixo por excederem as quotas ou por não terem as medidas ideais para serem vendidos ao público. O desperdício continua nas cadeias de supermercados que todos os dias deitam também toneladas de produtos alimentares para o lixo pois o prazo de validade das mesmas expirou. Infelizmente o desperdício não acaba aqui mas sim nas nossas casas onde milhares de pessoas não consomem aquilo que compram e acabam por deitar milhares de alimentos fora.

Não se trata de uma questão de não existir terra arável suficiente para produzir alimentos para todos nós. Não se trata de uma questão de os países desenvolvidos não terem dinheiro suficiente para doar alimentos suficientes para os países em desenvolvimento. Trata-se simplesmente de desperdício. Desperdício inútil e cujo combate iria saciar uma necessidade básica a milhões de pessoas. E esse desperdício tem de ser combatido em todas as vertentes. É claro que temos de tentar resolver a fome "de fundo" a nível mundial com medidas de apoio ao desenvolvimento agrícola nos países pobres, entre muitas outras. Mas temos de olhar para o desperdício produzido como algo bastante negativo do ponto de vista económico, ambiental e acima de tudo social. Algo que tem de ser combatido eficazmente e que será extremamente importante no combate à fome, pobreza e exclusão social. Têm de ser criados mecanismos que evitem o desperdício dos alimentos produzidos em excesso na UE (doação para países fora da UE por exemplo). Para mim é inaceitável a UE por exemplo deitar arroz fora e de seguida informar que vai doar não sei quantos milhões de euros para comprar arroz para determinado país ou região. Os retalhistas deveriam ser obrigados a doar os alimentos que actualmente deitam fora a instituições da sua área. Esses alimentos por terem terminado o prazo de validade não podem ser vendidos ao público em geral mas tendo em conta que estes produtos são desperdiçados diariamente, que o limite de validade tem uma margem de segurança e que as necessidades das instituições são diárias (fazendo com os alimentos fossem consumidos rapidamente) penso que faz todo o sentido doar estes alimentos. Por fim o combate aos desperdícios tem também que ter lugar na casa de cada um de nós, nas escolas, nas empresas, nas cadeias hoteleiras, na restauração e em todo o lado. Só devemos comprar aquilo que realmente vamos consumir, devemos aproveitar os "restos" que com um pouco de imaginação servem muitas vezes para outra deliciosa refeição. Se temos algo em excesso porque não dar um vizinho ou a alguém que sabemos que necessita? Porque não utilizar determinados desperdícios alimentares para produzir adubo orgânico que vamos utilizar ou simplesmente doar à horta comunitária da nossa área de residência?

Estas acções consertadas teriam um impacto enorme na redução da fome além dos benefícios económicos e ambientais associados. Um dos elos desta "cadeia" depende directamente de nós e temos força para pressionar os outros dois. É urgente combater esta verdadeira crise alimentar.

2 comentários:

  1. É realmente triste ver uns com tanto e outros com tão pouco...
    E não estamos a falar de carros, de roupas, de joias. Nem sequer estamos a falar de uma casa, que todos deviam ter.
    Estamos a falar de comida, sem a qual não vivemos.

    É como dizes, Daniel, cada vez mais as pessoas recorrem a ajudas extra (como o caso do banco alimentar) para conseguirem comer qualquer coisa ao longo do dia. Há crianças que só comem uma vez por dia, que é na escola.

    É realmente triste admitir o que todos sabemos e aquilo que muito bem referiste: há alimentos que são deitados fora que estão fora de validade mas têm a tal "validade extra" que faz com que sejam consumíveis durante mais tempo. Basta ver o exemplo simples do pão: este alimento não tem muita validade, e muitas vezes encontro por exemplo pão de forma cuja validade acaba nesse mesmo dia, e ainda há às carradas no supermercado. Ora não me digam que o vendem todo até ao fim do dia!...

    Depois também há o problema da desconfiança... eu pelo menos quando vou dar alguma coisa (nunca dinheiro) a alguma insituição que esteja a pedir por exemplo alimentos, cobertores... sei lá, coisas básicas, compro sempre qualquer coisa mas não compro mais porque nunca se tem bem a certeza para onde é que aquilo que compramos vai!

    Já vi por experiência própria coisas a serem "desviadas" (nao no banco alimentar) e claro que ficamos para sempre com pé atrás...

    enfim, este mundo é uma tristeza...

    Bom post, Daniel.

    Cumprimentos

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  2. Marta,

    A tal "solução" que comprometia as cadeias de supermercados a doar os alimentos e que deixava a recolha e distribuição a cargo das câmaras municipais e juntas de freguesia poderia ser a mais fiável. Existe um conjunto de problemas e nenhuma solução é perfeita mas penso que nada serve como desculpa para arrastarmnos a situação actual que, na minha opinião, é moralmente insustentável.

    Obrigado pelos elogios!

    Beijinhos,
    Daniel

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